domingo, outubro 01, 2006

Jogo de Espelhos

"Cada objecto costuma transformar-se, em nós, segundo as imagens que evoca e reúne, por assim dizer, em seu redor. É claro que um objecto também pode agradar por si mesmo, pela diversidade das sensações agradáveis que suscita em nós numa percepção harmoniosa; mas bem mais frequentemente, o prazer que um objecto nos dá não se encontra no objecto em si mesmo. A fantasia embeleza-o, cingindo-o e quase projectando nele imagens que nos são queridas. Nem nós o percepcionamos já tal qual como ele é, mas quase animado pelas imagens que suscita em nós ou que os nossos hábitos lhe associam. No objecto, em suma, nós amamos aquilo que nele projectamos de nosso, o acordo, a harmonia que estabelecemos entre nós e ele, a alma que ele adquire só para nós e que é formada pelas nossas recordações."

Pirandello
"Ele foi Mattia Pascal"

Engraçado que, não deixando de concordar com o autor, sinto (muito, mas muito) mais vezes precisamente o oposto, ou:

Cada objecto costuma transformar-se, em nós, segundo as imagens que evoca e reúne, por assim dizer, em seu redor. É claro que um objecto também pode desagradar por si mesmo, pela diversidade de sensações desagradáveis que suscita em nós uma percepção antipática; mas bem mais frequentemente, a repulsa que um objecto nos sugere não se encontra no objecto em si mesmo. As recordações distorcem-no, cingindo-o e quase projectando nele imagens que nos são avessas. Nem nós o percepcionamos já tal qual como ele é, mas quase animado pelas imagens que suscita em nós ou que os nosso hábitos lhe associam. No objecto, em suma, nós rejeitamos aquilo que nele projectamos de nosso, e detestamos a ligação que estabelecemos entre nós e ele, o fantasma em que ele se tornou só para nós e que é formado pelas nossas (más) recordações.

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