O cursor pisca no écran branco, à espera que a pagina se encha de pensamentos,
só pensa em manter o tom, se conseguir manter o tom conseguirá a proeza de ver as suas ideias crescerem, materializarem-se. A insónia invade mais uma vez o espaço. Escrever e voltar a apagar, mas escrever. Tentar sair da sua cabeça, fugir à vida que se lhe escapa, quebrar o labirinto.
Os raios de sol do final da tarde iluminam a Praça de Camões em toda a sua gloria. Ainda que inexoráveis as acidentadas ruas do bairro fervilham de gente a essa hora e a mistura de pessoas é notável. Turistas parecem encantados com a luz e com a companhia silenciosa de Pessoa. Pombos ora voam em debandada ora pavoneiam-se engalanados de peito inchado cortejando as suas fêmeas. Não muito diferente da fauna natural da zona; Aprendizes do oficio, os artistas competem no estilo para melhor mostrarem a sua expressão, artística. Outros marinheiros navegam nestas turvas águas em busca de amores efémeros.
Mais um cigarro, mais uma fila de pensamentos. O céu aos poucos vai-se tornando leitoso. O tempo urge.
O café quente na chávena aquece as suas mãos. É a altura do dia que as matutinas aves se elevam aos céus anunciando um novo dia.
Calcorreia as íngremes ruas com um sentido de urgência, com uma ânsia não especifica. Um desejo premente em ir e uma certa repulsa. Tem ainda tempo para se dirigir ao café de bairro que começou a frequentar desde o começo destes encontros. Lá entra na realidade mundana das personagens de bairro, os seus amores, ódios, segredos e paixões. Já se pode dizer que se tornou amigo da dona, amiga dos seus amigos e mais dos que a ouvem. Lá está ele a olhar para ela, umas vezes a tentar perceber o que diz quando fala em surdina do cliente satisfeito que acabou de sair, a maioria das vezes completamente a leste, acenando de tempo a tempo a cabeça para não desfraldar as expectativas do orador.
Agora o dia desprende em bandeiras os seus dourado e rosas. O sol ainda voga baixo no Tejo. Algumas pessoas desprendem-se agora dos braços de sono, dos braços dos seus amores ou da sua ausência. Um novo dia começa.
Fuma um ultimo cigarro antes de ir. Pontualmente toca à campainha de um velho prédio. Um toque apenas mascara a ânsia que sente. Pensa no tempo que demora a responder, o tempo que o faz esperar, o jogo começou. Recebe-o à porta fechando a porta à sua passagem. Tudo naquele apartamento lhe recorda o seu antigo apartamento, o cheiro, a textura das tábuas de madeira sobre os seus pês, a própria estrutura do apartamento. Ainda junto à porta observa-o enquanto ele na sala junto à porta se despe colocando-se mais confortável. Todo este ritual foi adquirido implicitamente no primeiro encontro quando a sua mente percorria paisagens bem mais sombrias.
Ainda em queda livre.
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