A caixa é rectangular e contem 3 sabonetes,
de cartão antigo, de dourados já idos, de uma
época faustosa.
No quarto encontra-se a penumbra, mas
a luz dourada filtrada pelas frescas da
portadas corta a escuridão em traços oblíquos,
marcando o chão de cerejeira. O cheiro a
cravos desprende-se da caixa assim que a
abres com entusiasmo infantil, uma folha
parda pelo passar do tempo envolve os 3
sabonetes, revestidos por papel ainda mais
delicado em pregas concêntricas, por
minucioso labor manual. Sabonetes de luxo.
OEillet Mignardise - Carnation
diz o rotulo em cada um. O cheiro a
cravo e a tempos passados transporta-nos para
uma Barcelona antiga, pelas casas do Passeio
de Gràcia, no nascer do século passado, ao fim
do dia. Perco-me aí de ti e dos meus
demónios, em bares nos quais absinto-me
estranho, junto a boémios, poetas e
vagabundos.
A realidade roda agora um angulo de 90º e
os nossos corpos como fantoches são
atirados contra a parede, repousando
depois no chão.
(...)
Cheira a cravos bravios ou mesmo daqueles
azuis mais raros, cheira a mandarina na
mesa numa manhã de fim de semana.
Imitadora da tua preciosa anatomia com os
seus sucos a escorrer pelos meus dedos.
Cheira a sexo e a café forte que sobe à
cabeça. Cheira ao grasnar das aves de
rapina à solta no ar, a maresia que a
corrente profunda trás ao destruir
barragens dentro de ti.
Neste momento tudo é estático e só
existem as sensações. O tempo parou, ele
não existe. Consegue-se ouvir o pó no ar a
brincar com a frescas de luz e a cair no
chão.
[pausa ao som dos corações
descompassados]
(...)
Agora os corpos encontram-se sem
vida no chão como marionetas do inicio.
Pérolas de luz escorrem
pelas tuas pernas e eu choro também.
É certo que nunca gostei muito do
cheiro a cravo.
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