quinta-feira, abril 23, 2009

Savon

A caixa é rectangular e contem 3 sabonetes,

de cartão antigo, de dourados já idos, de uma

época faustosa.

No quarto encontra-se a penumbra, mas

a luz dourada filtrada pelas frescas da

portadas corta a escuridão em traços oblíquos,

marcando o chão de cerejeira. O cheiro a

cravos desprende-se da caixa assim que a

abres com entusiasmo infantil, uma folha

parda pelo passar do tempo envolve os 3

sabonetes, revestidos por papel ainda mais

delicado em pregas concêntricas, por

minucioso labor manual. Sabonetes de luxo.

OEillet Mignardise - Carnation

diz o rotulo em cada um. O cheiro a

cravo e a tempos passados transporta-nos para

uma Barcelona antiga, pelas casas do Passeio

de Gràcia, no nascer do século passado, ao fim

do dia. Perco-me aí de ti e dos meus

demónios, em bares nos quais absinto-me

estranho, junto a boémios, poetas e

vagabundos.


A realidade roda agora um angulo de 90º e

os nossos corpos como fantoches são

atirados contra a parede, repousando

depois no chão.

(...)

Cheira a cravos bravios ou mesmo daqueles

azuis mais raros, cheira a mandarina na

mesa numa manhã de fim de semana.

Imitadora da tua preciosa anatomia com os

seus sucos a escorrer pelos meus dedos.

Cheira a sexo e a café forte que sobe à

cabeça. Cheira ao grasnar das aves de

rapina à solta no ar, a maresia que a

corrente profunda trás ao destruir

barragens dentro de ti.

Neste momento tudo é estático e só

existem as sensações. O tempo parou, ele

não existe. Consegue-se ouvir o pó no ar a

brincar com a frescas de luz e a cair no

chão.

[pausa ao som dos corações

descompassados]

(...)

Agora os corpos encontram-se sem

vida no chão como marionetas do inicio.

Pérolas de luz escorrem

pelas tuas pernas e eu choro também.

É certo que nunca gostei muito do

cheiro a cravo.

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