Pelos vistos as drogas não tiveram sucesso, no momento de regresso assoma-me uma energia vinda sabe-se lá de onde para me manter acordado.
Talvez tenha sido o efeito do vinho nos comprimidos, que me provoca o brilho maníaco no olhar. Falta pouco para chegar, conto beber café, distribuir as oferendas, fumar uns cigarros e regressar para casa. Sim talvez casa, talvez cada vez mais casa, como se só depois de todos os lugares que conheci e vivi pudesse chamar casa ao lugar onde vivo. Sem duvida que estou cansado mas já passei por coisas piores, outros cansaços e sofrimentos, na minha cabeça são este cansaço, este sofrimento medida da vida, não me recordo desde quando sinto isso, mas tenho presente em mim desde muito cedo. Talvez não tenha sido uma criança feliz, mas quem o foi?
Regresso de umas ferias completamente inconsequentes, em que vivi como um rei, em sintonia com aquela cidade, aquele fluxo de energia. Umas ferias que me senti só e sozinho, feliz e emocionado, bêbado e lesionado.
Parte do interesse em viajar resulta do desconhecimento, do mistério, do potencial, quantas vezes me dou a pensar como seria a minha vida aqui, ou então algum episódio que só poderia acontecer ali, o que não é realmente verdade mas que de facto assim acontece. Provavelmente prende-se com o facto que podemos ser quem quisermos, podemos fugir de nós e construir um novo das peças e partes amolgadas. Mesmo que não aconteça nada existe sempre o potencial para tal acontecer e isso torna o nosso estado de espirito aberto ao mundo, ao contrario da nossa mundana vivência.
Das pessoas que conheci por lá gostaria de ter desenvolvido mais o relacionamento, ter tempo para investir nisso, doar algo de mim e não ser apenas um buraco negro que tudo absorve, com a sua curiosidade, sentidos e emoção.
Coney Island é um local muito especial, luminoso, para mim. Consegui sentir-me feliz, sozinho, confortável, agradecido, triste, em paz. É um local bem especial que não sei descrever bem, não sei se é por estar no outro lado do atlântico a olhar para casa, como se o efeito de perspectiva muda-se alguma coisa.
Regresso agora completamente cansado com os olhos vermelhos de secura do ambiente reciclado da cabine do avião, volto para mais um regresso, um pouco diferente do que quando parti.
Estamos neste momento a sobrevoar os Azores, faltam duas horas até Lisboa, são 22h30 em NY e estamos a 5802 km do polo Norte com uma velocidade de 998 km/h. Com um vento da cauda de 169 km/h.
Por cima da camada leitosa das nuvens e do avançado das horas a presença amigável da lua prenha e das estrelas tornam o ambiente acolhedor, pela imutável e misteriosa presença.