sábado, janeiro 29, 2011

NY - um regresso

Pelos vistos as drogas não tiveram sucesso, no momento de regresso assoma-me uma energia vinda sabe-se lá de onde para me manter acordado.

Talvez tenha sido o efeito do vinho nos comprimidos, que me provoca o brilho maníaco no olhar. Falta pouco para chegar, conto beber café, distribuir as oferendas, fumar uns cigarros e regressar para casa. Sim talvez casa, talvez cada vez mais casa, como se só depois de todos os lugares que conheci e vivi pudesse chamar casa ao lugar onde vivo. Sem duvida que estou cansado mas já passei por coisas piores, outros cansaços e sofrimentos, na minha cabeça são este cansaço, este sofrimento medida da vida, não me recordo desde quando sinto isso, mas tenho presente em mim desde muito cedo. Talvez não tenha sido uma criança feliz, mas quem o foi?

Regresso de umas ferias completamente inconsequentes, em que vivi como um rei, em sintonia com aquela cidade, aquele fluxo de energia. Umas ferias que me senti só e sozinho, feliz e emocionado, bêbado e lesionado.

Parte do interesse em viajar resulta do desconhecimento, do mistério, do potencial, quantas vezes me dou a pensar como seria a minha vida aqui, ou então algum episódio que só poderia acontecer ali, o que não é realmente verdade mas que de facto assim acontece. Provavelmente prende-se com o facto que podemos ser quem quisermos, podemos fugir de nós e construir um novo das peças e partes amolgadas. Mesmo que não aconteça nada existe sempre o potencial para tal acontecer e isso torna o nosso estado de espirito aberto ao mundo, ao contrario da nossa mundana vivência.

Das pessoas que conheci por lá gostaria de ter desenvolvido mais o relacionamento, ter tempo para investir nisso, doar algo de mim e não ser apenas um buraco negro que tudo absorve, com a sua curiosidade, sentidos e emoção.

Coney Island é um local muito especial, luminoso, para mim. Consegui sentir-me feliz, sozinho, confortável, agradecido, triste, em paz. É um local bem especial que não sei descrever bem, não sei se é por estar no outro lado do atlântico a olhar para casa, como se o efeito de perspectiva muda-se alguma coisa.

Regresso agora completamente cansado com os olhos vermelhos de secura do ambiente reciclado da cabine do avião, volto para mais um regresso, um pouco diferente do que quando parti.

Estamos neste momento a sobrevoar os Azores, faltam duas horas até Lisboa, são 22h30 em NY e estamos a 5802 km do polo Norte com uma velocidade de 998 km/h. Com um vento da cauda de 169 km/h.

Por cima da camada leitosa das nuvens e do avançado das horas a presença amigável da lua prenha e das estrelas tornam o ambiente acolhedor, pela imutável e misteriosa presença.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Outra vez aqui

O tempo abranda e perpetua-se neste espaço, neste lugar preciso em que tudo é calma. Mais um inverno, fecha-se novamente um ciclo e encontramos-nos no mesmo lugar, pouco mudou, interiormente. Claro que estamos mais velhos o tempo é inexorável e nem sempre bondoso, mas interiormente aprisiona-nos a nós próprios.

O tempo porventura como a coisa mais importante, como medida da existência, um dia estou aqui no momento a seguir posso deixar de estar, como um dia estas aqui e no outro deixas de estar. Tempo sem recordação, cada momento um novo, a bênção dos estúpidos que não aprendem, dos heróis que vivem a vida no momento.

O ciclo das aves migratórias

engravado na sua existência, no nosso ADN. O ciclo das nossas vidas em esferas concêntricas que nunca se chegam a tocar, a gravidade deste sistema e no centro o quê? Vazio?, Amor? Não sei, nunca fui bom a

constatar os factos no momento que os sinto, limito-me a cumprir com a sua força,

massa e inércia, num sistema de acção-reacção. Mas se tudo fosse tão simples quanto

isso, a física clássica ficou aquém, agora sou eu mas também sou o universo e vice-versa,

agora estou aqui mas parte de mim também está em todo o lado. Pudesse eu

multiplicar-me em cada escolha tomada, em cada possibilidade. Sonhar a viver cada

uma delas. Agora tudo é mais confuso mais imaterial na velocidade dos dias que

passam e das noites que passo sem dormir.

O tempo frio regressa, cristalino belo e puro na noite escura. A gotas de chuva nos

vidros das janelas reflectem luzes distantes e o tempo tarda a passar, a dolência e o

torpor nos dedos e no pensamento. Nem neste tempo de beleza cortante consigo-me

manter terra a terra e a clareza cristalina só aparece de tempos a tempos. Penso em

viagens, em fugas absurdas para poder aportar em mim e no que em mim é

verdadeiro.

Os dias que passo sem sentir, na falta de fé, nas amarras que prendo a

mim mesmo no lastro que deixam em meu redor.

Busco uma voz que nem sempre está presente, um tom verdadeiro e um fio

orientador neste labirinto. Procuro ser o criador sem ser o artista, a luz, a intensidade

e a verdade no meio da escuridão que tanto preso e crio em meu redor, um jogo de

sombras chinesas para me entreter.