segunda-feira, julho 10, 2006

Reflicto e reflexo

“Há um tempo em que as ideias nos tiranizam, em que não passamos de uma vítima infeliz dos pensamentos de outro. Esta «posse» por outro parece ocorrer em períodos de despersonalização, quando os «eus» antagónicos se descolam, por assim dizer. Normalmente, somos impenetráveis às ideias; elas vêm e vão, são aceitas ou rejeitadas, vestidas como camisas e despidas como peúgas sujas. Mas naqueles períodos a que chamamos crises, quando a mente se fende e estilhaça como um diamante sob as investidas de um malho, as ideias inocentes de um sonhador agarram-se, fixam-se nas fissuras do cérebro, e, por qualquer subtil processo de infiltração, provocam uma codificação definida e irrevogável da personalidade. Exteriormente, pouco muda, o indivíduo afectado não começa a comportar-se, de súbito, de modo diferente; pelo contrario, até pode comportar-se de modo mais «normal» do que antes. Esta normalidade aparente assume, de modo crescente, a característica de um dispositivo de protecção. Do disfarce superficial o indivíduo passa para o disfarce interior. A cada nova crise, porém, torna-se mais consciente de uma mudança que não é mudança e sim, antes, a intensificação de algo profundamente oculto nele. Agora, quando fecha os olhos, pode realmente ver-se. Já não vê uma máscara: vê sem ver, para ser exacto. Visão sem vista, uma apreensão fluida de intangíveis: a fusão de vista e som – o coração da teia. Aí confluem as personalidades distantes que se esquivam ao contacto rude dos sentidos; aí se sobrepõem discretamente, em vivas e vibrantes harmonias, as notas dominantes do reconhecimento. Não se emprega nenhuma linguagem, não se delineiam quaisquer contornos.”

Henry Miller - Sexus

3 comentários:

Anónimo disse...

"Os peritos na cultura da Antiga Grécia dizem que as pessoas naquela altura não viam os pensamentos como pertencendo a elas mesmas. Quando os antigos gregos tinham um pensamento, ocorria-lhes como sendo um deus ou uma deusa a dar uma ordem. Apolo estava a dizer-lhes para serem corajosos. Atena estava a dizer-lhes para se apaixonarem."

in 'Lullaby' de Chuck Palahniuk

johny

Unknown disse...

Bem, acho que devia fazer ums quantos sacrificios ao Deus Baco...

Selectra disse...

Ó johny, isso nao vale, veres o blog dos outros e n deixares ver o teu!