- Desculpe, posso lhe tirar uma foto? Pergunta à senhora que vem a passar na rua.
- Uma foto? Minha? Desculpe mas realmente não tenho tempo para isso. Prossegue pela rua abaixo.
- Desculpe posso lhe tirar uma foto? Pergunta ao senhor de fato que entra no café.
- Porque raio quer uma foto minha?
- Sabe sou um aluno de belas artes e como trabalho de casa temos que tirar retratos a desconhecidos.
O senhor pede uma bica ao balcão e senta-se numa mesa disponível, o jovem coloca-se à sua frente.
- Ande lá com isso, pode-me tirar uma foto. Assegure-se que fico bem.
O tímido jovem tenta balbuciar:
- Sabe não é assim tão simples, o projecto requer que se capte a essência do modelo de forma mais realista possível. Ouvia a voz do seu professor na sua cabeça.
- E como se faz isso. Pergunta o homem já com a bica à sua frente.
- Posso me sentar? Seguído de um ligeiro aceno de cabeça por parte do homem tenta-se sentar, desajeitadamente, na cadeira em frente ao homem.
Pediu então ao senhor para lhe contar a sua vida, algo que lhe mostrasse como era a sua existência, o que fazia, a sua família, os seus amores, os seus interesses. Desde a conversa fútil do seu dia a dia, do emprego com ordenado fixo ao fim do mês, dos seus amores futebolísticos, do casamento monogâmico e dos seus deslizes, “que todos os homens cometem”, às suas paixões juvenis.
À medida que os cigarros desfilavam pelos seus dedos o jovem misteriosamente sentiu-se cada vez mais atraído pela existência deste homem, funcionário publico à 20 anos.
As fotos nunca foram tiradas. O retrato do senhor junto à águia do Benfica que abençoava o estabelecimento, o amigalhaço dono no balcão com o seu bigode nunca ficariam para a posteridade, o senhor viu o seu autocarro do outro lado da rua.
- Desculpe mas tenho mesmo que apanhar o autocarro mas gostei realmente de falar consigo. Hoje em dia não é habitual falar da nossa vida com estranhos. Devia ter mesmo tirado logo a foto.
Ficou ainda meia hora no café a consumir a sua estranheza olhando para a azafama da vida fora do café.
Meses passaram e voltou a encontrar o senhor na rua. O senhor não o reconheceu , abordou-o com ar miserável:
- Desculpe jovem podia-me arranjar um cigarro para o caminho para casa. Os meus acabaram, um dia difícil...
Tirou do bolso o maço de tabaco e retirou 2 cigarros dos 3 que tinha.
- Muito obrigado, muito obrigado.
No rosto do jovem desenhou-se um sorriso misterioso nesse dia frio e disse:
- Obrigado eu. Disse com verdadeira gratidão.
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